RICARDO J. RODRIGUES
em revista Contacto 25 de abril 50 anos
EM 1971, ANTÓNIO PAIVA RECEBEU ORDENS PARA CRIAR NO GRÃO-DUCADO UMA UNIDADE DE LUTA CONTRA O ESTADO NOVO. DURANTE TRÊS ANOS,JUNTOU PORTUGUESES E LUXEMBURGUESES PARA PÔR EM CAUSA O REGIME E A GUERRA COLONIAL. MEIO SÉCULO DEPOIS,RECONSTITUÍMOS PELA PRIMEIRA VEZ A HISTÓRIA DESSES DIAS DE COMBATE.
António Paiva tinha chegado há menos de um mês a Paris quando lhe propuseram a primeira viagem ao Luxemburgo. Foi em outubro de 1970. “Eu tinha fugido a salto nesse verão. Fugi da PIDE, a polícia política portuguesa, que me queria prender”, conta agora num café na capital do Luxemburgo, cinquenta anos depois da ditadura contra a qual lutou se ter desmoronado. “Se fosse apanhado sabia que ia ficar preso por tempo indeterminado, torturado como muitos dos meus companheiros, ou embarcado à força para uma guerra colonial com que não concordava. Preferi sair do meu país e continuar a luta a partir da diáspora.”
Andava envolvido na contestação ao regime desde 1968 – e em 1969 tinha integrado o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP), uma organização clandestina que tentava boicotar pacificamente a ditadura. “Não estava envolvido em nenhuma forma de luta armada”, assegura. “O meu trabalho era de escrever poemas, imprimir e distribuir secretamente uma publicação chamada ‘O Grito do Povo’, que punha em causa o regime, a falta de liberdade e a guerra colonial. “Para o Estado Novo, essa era afronta mais do que suficiente para o calabouço.
Chegou à capital francesa com uma mão à frente e outra atrás, mas vários contactos entre outros o Comité dos Desertores, que operava a partir do oitavo ‘arrondissement’ da cidade. De dia trabalhava a servir às mesas, de noite marchava ao Teatro Operário, comandado pelo encenador Hélder Costa, que depois do 25 de Abril se haveria de tornar num dos fundadores do Teatro d’A Barraca, em Lisboa. “Em outubro de 1970, poucas semanas depois de chegar, o grupo foi todo ao Luxemburgo apresentar uma peça de teatro e um concerto para a emigração portuguesa. A estrela de serviço era o Zeca Afonso.”
A comitiva viajou de autocarro. Faltavam ainda quatro anos para ‘Grândola, Vila Morena’ ser usada como contrassenha e símbolo da revolução que derrubaria o regime – mas o autor da canção, Zeca, era já uma figura reputada da música de contestação. “Tivemos dois espetáculos, um na Maison du Peuple, em Esch, e outro no Casino Syndical, em Bonnevoie. No primeiro o Zeca não cantou, só apresentámos uma peça chamada ‘O Soldado’, que era muito crítica contra a guerra nas colónias”, lembra Paiva.
“Vimos logo que a comunidade emigrante tinha ficado desiludida, esperavam um espetáculo popular e um bailarico e nós tínhamos vindo para ali despejar–lhes política para cima.” Houve assobios e apupos, e o grupo refletiu se haveria de repetir a dose na noite seguinte, na capital. Mas tinham vindo ao Luxemburgo, então agora era tudo ou nada. Zeca Afonso pegou na guitarra e de repente alguém lhe gritou para o palco: “Se tens tomates, canta a Catarina. “A cantiga que o músico tinha escrito em homenagem a Catarina Eufémia, a agricultora assassinada grávida pela polícia no Alentejo durante uma greve, tinha-se tornado num ícone da resistência.” E foi aí que as coisas começaram a dar para o torto”, conta António Paiva.
Sete homens faziam fila em frente ao palco, vestindo camisas negras. “Eram agentes da polícia política portuguesa, seguramente. Aos primeiros acordes saíram da sala e passado nem um minuto um luxemburguês começou a gritar que ia chamar a polícia. Foi uma rebaldaria, com toda a gente a fugir e nós também.
Podíamos estar num país livre, mas as marcas da ditadura tinham-se-nos colado à pele”, diz Paiva. Quando regressou a Paris, contou à direção do Comité o que se tinha passado. E lamentou que num país onde trabalhavam tantos portugueses não houvesse nenhum núcleo de resistência e consciencialização das massas. “Havia esta circunstância estranha de vermos as vítimas do salazarismo a defenderem o seu carrasco. Muita desta gente tinha fugido à miséria, à guerra e ao fascismo, mas continuava a acusar os contestatários de traidores à pátria. Era preciso educar, formar, explicar”, defende com a mesma convicção que usou nessa reunião secreta com o CMLP em Paris.
Em agosto de 1971,voltou ao Luxemburgo para criar a primeira célula da resistência portuguesa à ditadura. Ao longo dos três anos seguintes, haveria de recrutar luxemburgueses e portugueses para o ajudarem na missão. Há um capítulo desconhecido do vento de liberdade que soprou em Portugal a 25de Abril de 1974 que foi escrito num pequeno país do centro da Europa. Esta é a sua história.
A REVOLUÇÃO EXTERIOR
Para a historiadora Irene Flunser Pimentel, uma das maiores investigadoras sobre o século XX português e o regime do Estado Novo,” a emigração foi essencial para a Revolução dos Cravos poder acontecer” Pimentel veio em março à Abadia de Neimeunster, no Grund, para apresentar a edição francesa de Exílios no Feminino, um livro que escreveu com seis outras mulheres que fugiram da ditadura e lutaram contra ela a partir da diáspora.
Paris era o centro da contestação ao Estado Novo. “Temos de ver que nos anos sessenta o país tinha assistido a uma saída em massa de gente que queria fugir da ditadura e, sobretudo, da guerra”, enquadra. “Era mais fácil chegar ali, fosse por motivos económicos ou de consciência. E foi naturalmente aí que se começou a organizar a resistência na diáspora, partindo depois para Lyon, Genebra, Grenoble e Luxemburgo.”
O combate do exílio fazia-se, em grande medida, pela arte. “Em toda aquela massa humana que sai do país há, de repente uma largueza de vistas que tem a ver com os lugares novos onde as pessoas chegaram”, diz a historiadora. Em Paris, organizam-se bibliotecas, grupos de teatro e são gravadas as músicas que vão dar embalo à revolução e aos cravos. O anúncio da mudança chega aos que fugiram e quando eles regressam às aldeias levam as novidades desse admirável mundo possível e novo. Livre.
O país esvaziava-se, sobretudo por causa da guerra. Em 1961, começa uma guerra que tem três nomes: do Ultramar para o regime, Colonial para a oposição, de Independência para os povos africanos. Até 1974, houve cerca de 9.000 desertores e 20.000 refratários, aos quais se juntaram 200.000 homens que nunca compareceram quando chamados pelos regimentos. A juventude fugia a salto do país e atirava-se ao desconhecido. Para muitos, era melhor sina do que ir para Angola, Guiné ou Moçambique, palcos de sangue e lágrimas.
O combate travava-se em duas frentes. “Por um lado, era preciso consciencializar os emigrantes portugueses. O regime em Lisboa não permitia a discussão política, muita gente partira com baixas qualificações-mercê das políticas do Estado Novo. Ao mesmo tempo, chegavam e viam as ideias circular, como o Maio de 68. Era preciso fazer trabalho político e envolver estas pessoas”, dizia ao Contacto Fernanda Oliveira Marques, também ela exilada política durante a ditadura e também coautora do livro apresentado em Neimeunster.
E depois havia uma segunda esfera, importantíssima. “Consciencializar os povos de acolhimento para o problema português era essencial”, diz Amélia Resende, que esteve exilada em Paris mas também noutras capitais europeias.” Portugal foi o último país europeu a perder as colónias, por isso havia já consciência política desse problema na Europa e no resto do mundo. Mas aquilo que se passava em Portugal, toda aquela violência do regime sobre os portugueses, era completamente desconhecida. Havia um silêncio quase total sobre o assunto e a resistência teve um trabalho muito importante de consciencialização dos outros países. Que depois podiam exercer pressão sobre o nosso.”
Foi também isso que aconteceu em terras luxemburguesas. O esforço de António Paiva – e da célula que ele criou – não foi apenas dirigido à enorme vaga de mão de obra que chegava ao país.
“Uma parte muito importante da nossa atividade foi envolver a população local e conseguimos em grande medida fazer isto. Tivemos grupos, organizações e indivíduos luxemburgueses que ajudaram a criar um ambiente contestatário e um sentido que não existia antes de desafio”, diz com inegável orgulho.
Depois da Revolução dos Cravos, muitos desses luxemburgueses haveriam de ir para o sul da Europa ajudar a reconstruir e reeducar uma nação que tinha passado 48 anos nas trevas. Entre eles estava Serge Kollwelter, fundador da ASTI-Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes. Entre a sua história e a de António Paiva, consegue estabelecer-se como a revolução começou a ser alimentada a partir do Grão-Ducado.
A SEMENTE DA DEMOCRACIA
Quando chegou ao Luxemburgo para instalar uma organização de resistência à ditadura portuguesa, Paiva não tinha ideia alguma do que iria encontrar. “Senti que havia de facto uma enorme vaga de portugueses que tinham chegado nos últimos anos, sobretudo transmontanos. Tinham vindo na maioria dos casos com contratos de trabalho e não eram de forma alguma politizados”, lembra o homem. “A única referência que tinha de um opositor ao regime era de um comunista alentejano que vivia no sul do país.”
Foi graças a ele que conheceu o primeiro grupo com quem começaria a trabalhar: cinco homens originários de Campo Maior, contestatários do Estado Novo, com quem se costumava encontrar no Café Inês, em Dudelange. Com os anos haveria de se juntar gente de Alverca, da Figueira da Foz, do Carregado, de Lisboa, de Vila Franca de Xira. Eram poucos, nunca mais de nove ou dez, e movimentavam-se entre as gotas da chuva. Paiva prefere não lhes revelar as identidades, visto já nenhum deles viver hoje no Luxemburgo. Alguns, assegura, já não estão sequer vivos.
Nesse outono de 1971 o plano era relativamente simples. “A primeira coisa que cheguei à conclusão era que precisava de estar perto das massas, e esses eram os operários. Então arranjei emprego numa fábrica do norte que produzia bunkers para a NATO.” Poucos dias depois de chegar, percebeu que havia uma ameaça de greve a exigir melhores condições de trabalho. “Como eu sabia falar inglês e francês – e havia muitos trabalhadores portugueses e irlandeses, ofereci-me para tradutor durante as negociações. Foi uma coisa duplamente positiva, porque além de ganhar a confiança dos meus colegas, o sindicato LAV, predecessor da OGBL, convidou-me para ser o secretário sindical dos trabalhadores portugueses e espanhóis no país.”
Agora Paiva tinha acesso a muito mais gente e podia mais facilmente espalhar o.discurso antifascista entre a comunidade portuguesa. “Eu viajava pelo país inteiro para ouvir os trabalhadores falarem dos seus problemas e das suas condições de trabalho. Foi aí que recrutei muita gente que ajudava a preparar manifestações e a distribuir ‘O Grito do Povo’, o jornal de contestação ao regime que o CMLP produzia”, conta.
Mas aquilo que verdadeiramente o surpreendeu foi o apoio que encontrou no lado luxemburguês do sindicato. “Havia um enorme discurso contra o fascismo, porque o país tinha estado ocupado pela Alemanha Nazi. Havia gente daqui que tinha ido combater para as brigadas internacionais durante a Guerra Civil espanhola, opondo-se ao regime de Franco. Era um apoio incomensurável para levar a bom porto os nossos objetivos. E os nossos objetivos eram travar e descredibilizar aquilo que Salazar e Marcelo Caetano tinham criado: um país cinzento, atrofiado, triste.”
Em 1972, o presidente do sindicato pediu-lhe que escrevesse para a principal publicação da organização, amplamente distribuída no país. Então Paiva publicou o texto “Portugal: un pays riche, un peuple pauvre”. Em tradução literal, ‘Portugal: um país rico e um povo pobre’. A notícia caiu como uma bomba. “O cônsul de Portugal no Luxemburgo, Mendes Costa, pediu imediatamente a minha extradição por denegrir a imagem do país. Abriu até um mandato de captura em meu nome. Mas o sindicato apoiou-me e eu continuei a escrever”, lembra. Com isso, cresceu a atenção luxemburguesa sobre o caso lusitano.
O trabalho de contestação seguiu. Paiva motivou a criação de dois grupos recreativos onde se jogava futebol e afrontava o Estado Novo: o Clube Operário de Ettelbruck e o 1° de Maio em Mersch. Em 1973, juntamente com algumas organizações luxemburguesas, preparou uma exposição na Place d’Armes contra a guerra colonial, apoiada por uma série de organizações locais. Entre os mais entusiastas apoiantes do discurso de Paiva estava Serge Kollwelter, o católico luxemburguês que haveria de fundar a ASTI.
De repente, nesse dia no centro da capital, tudo virou. “Apareceu um grupo de portugueses aos murros e pontapés, que tentaram destruir aquilo tudo. Eram agentes da PIDE infiltrados, obviamente, e tinham vindo a mando de Mendes Costa, disso estou certo”, conta o homem. “O ataque foi notícia e, a partir desse momento, ganhámos um apoio renovado da sociedade luxemburguesa.” A infâmia da ditadura portuguesa saía finalmente do armário.
OS LUXEMBURGUESES
DA RESISTÊNCIA
Serge Kollwelter não fazia a mínima ideia do que era a realidade do povo português, mas sabia que estavam a chegar muitos homens ao Luxemburgo-e era preciso de alguma forma apoiá-los. Em 1972 fundou a União Centro Cooperativo, que anos mais tarde haveria de converter-se em ASTI. “Eu estava envolvido nos grupos de jovens da Igreja e percebemos que havia um trabalho a fazer com as comunidades imigrantes. Como tinha formação de professor, achei que poderia contribuir para a integração de toda esta massa de gente que estava a chegar”, conta no jardim de sua casa, numa tarde de primavera.
Ele e a sua tropa faziam aconselhamento jurídico, davam aulas de francês, ouviam as dúvidas e as aflições sociais. “Havia duas freiras que moravam no Grund, onde uma enorme comunidade portuguesa e cabo-verdiana se tinha instalado, e nos motivavam a fazer o nosso trabalho. Mas depois há um fator que me chamou a atenção para um problema muito mais grave do que eu imaginava, e foi isso que mudou tudo”, explica Kollwelter.
Ainda em 1972, no Parlamento, o deputado do CSV Jean Spautz anunciou ter chegado a acordo com as autoridades portuguesas para que o novo protocolo de contratação de trabalhadores vindos do sul da Europa excluísse as pessoas com origens em Cabo Verde, “para evitar problemas de integração.” Ao perceber isto, o homem estremeceu. “Era um sinal claro de racismo e achei isso uma coisa intolerável. Várias vozes do CSV se levantaram contra isto, há artigos publicados no Luxemburger Wort que o atestam”, diz, mostrando um comentário escrito por René Vesque confrontando Spautz. “Para mim, jovem católico, isto era um choque.”
Em 1973, viu pelos seus próprios olhos o que estava em causa em Portugal. “Eu já me estava a tornar de alguma forma político com a causa, tanto que participámos muito ativamente na exposição da Place d’Armes contra a guerra que Portugal estava a travar com as suas colónias em África. Mas nesse mesmo ano eu fui ao país e pude ver com os meus próprios olhos os efeitos miseráveis da ditadura. Foi algo que mexeu profundamente comigo”, admite, e os olhos semicerram-se quando o profere.
Serge Kollwelter era escuteiro, na altura chefe de escuteiros. Ele e o seu grupo iam passar uns dias a Arganil e, quando ali chegou pela primeira vez, estarreceu. “A vida era simples, quase medieval. E senti que as pessoas acreditavam num regime que as fazia imensamente pobres porque não conheciam outra realidade que não o discurso oficial. Mais de 40 por cento eram analfabetos. Senti como havia ali um povo inteiro, generoso e bondoso, de mãos completamente atadas.”
A partir daí decidiu combater – à sua maneira. Recorda um dia, nesse mesmo ano, em que o Vitória de Guimarães veio fazer um jogo de preparação com o Avenir de Beggen. “Fomos entregar panfletos aos trabalhadores portugueses a convocá-los para reuniões de esclarecimento sobre os seus direitos. O meu irmão entregou um desses papéis ao cônsul Mendes Costa, olhando-o nos olhos sem nunca se desviar. E começámos a tentar mostrar a estas pessoas que não estavam sozinhas, que tinham direitos”, conta entusiasmado. No Luxemburgo, sim. E também em Portugal.
25 DE ABRIL SEMPRE
No dia “inicial, inteiro e limpo”, e foi assim que a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen definiu o 25 de Abril de 1974, as notícias chegaram ao Luxemburgo pela rádio. “Eh lá, o que é isto”, perguntou-se António Paiva ao ouvir os relatos. “Honestamente, fiquei muito prudente. Ainda por cima, nos dias seguintes, vi o general Spínola tomar a dianteira, que era um homem de regime. “As dúvidas dissiparam-se ao cabo de uma semana. No 1° de Maio desse ano, em Rumelange, os cravos encheram as ruas do Luxemburgo.
Serge Kollwelter apressou-me a marcar férias para o sudoeste europeu. Já não seguia como escuteiro, preferia antes ser apoiante da magnífica possibilidade que Portugal podia agora ser. Passou uma temporada num mosteiro no Porto, e outra numa casa ocupada em Lisboa, perto do Largo do Rato. “Viajei pelo país com vários portugueses que iam para o campo ajudar a criar cooperativas, escolas, sindicatos”, conta o fundador da ASTI. Vinham alemães e escoceses, luxemburgueses e italianos”, lembra. De repente o mundo que nunca tinha podido conhecer Lisboa desaguava na foz do Tejo.
Irene Flunser Pimentel, historiadora, fala de um fenómeno internacional. “Houve uma onda de turismo vermelho a viajar para Portugal entre 1974 e 1975. Aos olhos da Europa, o país tinha-se tornado um laboratório magnífico, onde todos os modelos podiam ser testados. Houve vagas de alemães a irem para o Alentejo fundar cooperativas, de franceses e luxemburgueses que levantaram escolas no centro do país. A 25 de novembro de 1975, no entanto, essa movimentação global chegou ao fim.” O período revolucionário terminou nesse dia – e, à medida que a regra democrática se ia instalando, a curiosidade esquerdalha começou a esquecer a promessa dos cravos.
Nesse verão de 1974, António Paiva pode finamente regressar a casa. Ele e milhares de rapazes que tinham desertado ou simplesmente falhado a convocatória para integrarem o exército. Em julho, quando chegaram as férias coletivas, meteu-se no carro e cumpriu o caminho de volta. Bordéus, os Pirenéus, o País Basco e León. Quando chegou a Salamanca parou para respirar, há quatro anos que a ideia de Portugal se tinha tornado longínqua. Num ápice estava em Vilar Formoso.
“Assim que entrei no meu país, parei o carro e, não sei porquê, comecei a chorar. Não foram só umas lágrimas fugidias. Naquele momento, para ser honesto, desabei completamente. A liberdade tinha chegado. Portugal, pela primeira vez, podia respirar. Então olha, pá, chorei, chorei, chorei. Depois segui caminho até à Covilhã, para dar um abraço aos meus pais. A ditadura tinha acabado, caramba. E eu conduzi com o mar nos olhos, sabendo que só me apetecia dançar.”
Com autorização do autor
Nota do Editor e de António Paiva:
As referências a CMLP (Comité Marxista Leninista Português) devem ser entendidas como a OCMLP (Organização Comunista Marxista Leninista Portuguesa) ainda que esta só tenha sido criada em 1972 por fusão do Grito do Povo e d’O Comunista, em data posterior às datas mencionadas no texto, nas quais a OCMLP se encontrava ainda em processo de constituição.
Fotografias a preto e branco – arquivo de António Paiva, fotografia a cores – Instituto Diplomático – MNE Lisboa
Manifestações de exilados portugueses no Luxemburgo
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