Quando fugir era a única opção – Joaquim Nunes – Carlos Ventura


Por Tânia Soares, 7 de Agosto 2024 na Voz de Trás os Montes

A Guerra do Ultramar fez-se não só por aqueles que estiveram na frente do campo de batalha, mas também por aqueles que dela fugiram. E não foram poucos: entre 1961 e 1974, pelo menos nove mil homens desertaram. Alguns fugiram já depois de estar em Angola, Moçambique ou Guiné, mas outros fugiram logo a partir de Portugal e atravessaram, a pé, os países vizinhos, à procura da liberdade.

Um deles foi Joaquim Nunes, natural do Marão. Conta que começou a ter uma ligação à militância muito cedo, desde os 16 anos, e uma das questões que mais o incomodava era precisamente a da Guerra Colonial. “Eu comecei a ler uma série de escritores, coisas que me despertaram a atenção, e cheguei à conclusão que a história da guerra estava muito mal contada, que era uma injustiça e que realmente só tinha uma opção: era fazê-la ou não a fazer’. E decidiu então fugir logo a seguir a ter sido destacado para Guiné.

A CAMINHADA

Regressemos então a 22 de setembro de 1972. Joaquim, com apenas 21 anos, parte a pé para Franca com mais três companheiros. Iniciaram a caminhada, em Vila Franca de Xira, para passar a fronteira para Espanha. “Não podíamos ir para hotéis, nem para pensões. Então, andávamos de noite, com muitas peripécias e sempre perseguidos pela polícia”, relembra. Para não se perderem, o truque foi seguir a linha ferroviária da linha internacional. Durante o dia, escondiam-se no monte. E foi assim que conseguiram chegar a Espanha.

Mas mesmo fora da orla da PIDE, um dos seus colegas foi apanhado e “devolvido ao regime”. “Foi complicado”, desabafa, relembrando uma situação na cidade de Rodrigo, em Espanha. Quando disseram a um taxista que queriam ir para Salamanca, este respondeu “que ia avisar a esposa, porque era uma viagem grande”, O instinto de Joaquim disse-lhe para fugirem e, confirmando os seus medos, “passados uns minutos, a Guarda Civil tinha cercado aquilo tudo”. Tinham sido denunciados. Assim, em vez de fazerem os cerca de 90 quilómetros de táxi, correram o máximo que puderam para fugir e caminharam o restante caminho até Salamanca. Cidade esta onde Joaquim relembra um dos momentos mais vividos que tem em memória. Ao encontrar uma lixeira que tinha estado a arder, deitaram-se nela. “Dormimos no meio daquilo porque era quentinho. E às vezes ainda hoje tenho a sensação daquele mau cheiro da lixeira”, recorda.

O caminho não se fazia esperar e, com medo de serem encontrados, puseram novamente pés a caminho. Depois de Salamanca, prosseguiram de Madrid para Bilbau e daí para São Sebastião. Depois, atravessaram os Pirinéus e chegaram finalmente a França no dia 2 de outubro, dez dias depois.

Foi então em território francês que conheceu um “mundo novo” e, enfim, a liberdade. Em Portugal, relembra, “se déssemos um beijo na namorada, íamos para a esquadra, se fumássemos um cigarro na rua, vinha o policia perguntar pela licença de Isqueiro, se queríamos ver um filme mais audaz, não podíamos porque a censura cortava”, Para Joaquim, a realidade de Paris foi realmente “um choque”.

Esta situação também a passou Carlos Ventura, que partiu de Chaves para fugir, em 1971, local onde tinha passado os últimos três meses do seu ano de tropa. Cumpriu o serviço militar apenas para aprender a manusear armas, porque “desde cedo” que era contra a guerra, que considerava “absurda”.

Ao contrário de Joaquim Nunes, Carlos Ventura teve a sua fuga mais facilitada por um amigo que estava na aviação e o levou maior parte do caminho. Apenas passou a pé as fronteiras e conta que de Portugal para Espanha, os guardas não o chateavam e, estando fardado, até lhe faziam continência. No entanto, isso não o impediu de sentir medo. “É uma situação perigosa, e, portanto, as coisas podiam ter corrido mal nas fronteiras, porque havia acordos entre as Polícias”, mas lá conseguiu chegar, sem problemas maiores, também a Paris.

ESQUECIDO

Joaquim diz que os fugidos da guerra “foi um tema esquecido durante muitos anos”, admitindo que ele próprio, achasse que isto fosse uma traição à pátria”, garante que nunca sentiu isso na pele, “possivelmente até por me meter sempre em círculos bastante abertos”.

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